Não se pode negar que o Vaticano, especialmente nas últimas semanas, tem agitado a mídia internacional com grandes “surpresas”, fatos inéditos. Primeiro, o famoso caso de vazamento de arquivos confidencias, mais conhecido como “Vatileaks”. Não muito tempo depois e, provavelmente, tendo essa primeira surpresa como um dos motivos, a não esperada renúncia do então papa Bento XVI deixou a todos, inclusive muitos indivíduos importantes na hierarquia da própria Igreja Católica, de boca aberta. Por fim, a eleição de um novo papa, argentino – em um conclave que foi mais rápido do que se esperava –, e que não era um dos favoritos ao cargo, caracteriza a mais nova “surpresa” que o Vaticano apresentou ao mundo.
Bento XVI enfrentou, durante o seu papado, vários
escândalos além do “Vatileaks”. Muitos casos de pedofilia envolvendo a omissão
de altos representantes do “reino de Deus na Terra”; mal-entendidos com outras
religiões; disputas internas de poder dentro do Vaticano; e também uma série de
questões envolvendo o agora famoso “Banco do Vaticano”, que, na verdade,
chama-se IOR (Instituto para Obras da Religião). Depois de tudo isso, ah, e é
claro, também por questões de saúde, Joseph Ratzinger, que virou Papa Bento XVI
em 2005, resolveu renunciar ao mais importante cargo da Igreja Católica Apostólica
Romana, transformando-se no Papa emérito Bento XVI.
Ao que tudo indicava, o novo papa seria ou o italiano Angelo
Scola ou o brasileiro Odílio Scherer. Mas, inusitadamente, ao menos para os
simples mortais que não estavam trancados na Capela Sistina, eis que o eleito
foi o argentino Jorge Mario Bergoglio, até então um nome pouco conhecido e que
agora atenderá pela denominação de Papa Francisco. Por que foi nele em que os cardeais,
inspirados pelo Espírito Santo, votaram?
Jorge Bergoglio é considerado, por muitos, como sendo um
conservador. Ele é acusado de ter tido certa “simpatia” com a ditatura na Argentina,
ou, ao menos, de não ter se mobilizado contra os ditadores, como fizeram outros
líderes religiosos em diversos países que também sofreram ditadura política. Mas
já era esperado que o novo papa não seria europeu. Especulava-se acerca de
algum brasileiro, ou um africano, ou, talvez, um canadense. Entretanto, se o
papa provavelmente não seria mesmo europeu, e o Brasil é o país “mais católico
do mundo”, por que não se escolher um papa brasileiro? Uma possível resposta a
essa pergunta está na filiação religiosa do argentino Jorge Bergoglio dentro da
Igreja Católica: ele é um jesuíta, e os jesuítas (são assim chamados os membros
da Companhia de Jesus, uma das maiores ordens – vertentes – dentro do
catolicismo) têm como principal objetivo o trabalho missionário e educacional,
isto é, a evangelização e difusão dos conhecimentos católicos.
Depois de tantos escândalos, a Igreja é vista com olhos ainda
mais desconfiados, atentos, do que antes, e, com isso, perde cada vez mais
fiéis. A escolha de um papa jesuíta e latino-americano vem tentar reverter esse
quadro crítico que a instituição católica vem enfrentando nas últimas décadas
e, em especial, nos últimos anos. Para se ter uma ideia, no Brasil
aproximadamente 79% das pessoas se consideram católicas, mas só 45% são
praticantes, isto é, frequentam de maneira sistemática as missas, pagam os
dízimos, etc. Em Portugal, 90% da população se declara católica, mas só 27% é
praticante, de fato, do catolicismo.
Assim, uma Igreja que seja mais “próxima” dos fiéis, que
esteja voltada para os pobres, que seja, de certo modo, mais “latina”, é a
esperança do Vaticano. A própria escolha da denominação “Francisco” que o novo
papa escolheu remete a essa ideia, já que São Francisco de Assis é conhecido
por ser o sujeito que renunciou à sua riqueza, aos bens materiais, para viver
na pobreza e em dedicação aos pobres.
Na América Latina a
Igreja vem perdendo muitos e muitos fiéis para as instituições religiosas
evangélicas, e isso, obviamente, além de uma perda de poder é, também, uma
grande perda de dinheiro. Se os dízimos vão para os evangélicos, e não para os
católicos, mais dinheiro, mais poder e, portanto, maior influência, terão os
evangélicos, e não o Vaticano.
O cenário na Europa também é interessante de ser
observado. A crise econômica que assola o continente já há alguns anos e que
parece não ter uma solução clara a curto prazo – fazendo com que europeus e
mais europeus se tornem a cada dia mais pobres financeiramente – não é apenas
uma crise econômica. Trata-se de uma crise de valores: está em jogo o que é
“ser europeu”. Em momentos de crise as pessoas tendem a se tornar mais
religiosas, a se lembrar de que Deus existe. Oras, é também pensando nisso, e
com o medo de que o “Deus” buscado não seja mais O Deus católico, que a Igreja,
também na Europa, precisa ficar mais próxima da população, dos sofredores, dos
pobres.
De fato, o novo papa
vem já demonstrando essa “aproximação” com os fiéis. Ele mesmo foi pagar a
conta de seu hotel; desce do carro para beijar seus admiradores e para
conversar com eles; dispensa os seguranças, etc. A simplicidade parece ser uma
característica de sua personalidade. Na Argentina, Bergoglio costumava utilizar
transporte público, cozinhava sua própria comida, morava em uma acomodação
simples. A “aproximação” pode ser associada, portanto, a essa simplicidade do
Papa Francisco. E essa simplicidade também contém uma forte crítica ao seu
antecessor, Bento XVI. As vestimentas do novo papa são mais modestas: ele não
usa sapatos vermelhos Prada, mas sim simples sapatos pretos; o crucifixo é o
mesmo que ele já usava, feito de aço, e não de ouro; e o famoso anel papal será
de prata, e não de ouro, como é o costume.
Não devemos, entretanto, santificar o papa recém-eleito
(até porque muitas das questões envolvendo o seu passado, como a relação com a
ditadura na Argentina, ainda irão, provavelmente, vir à tona). Ele terá
importantes questões a resolver, sendo que uma das mais relevantes é como lidar
com a pedofilia na Igreja Católica. Além disso, como irá solucionar as brigas
internas de poder no Vaticano, que tanto desgastaram o seu antecessor?
Mudanças, reformas, certamente serão feitas. Mas não
apostem que o Papa Francisco fará uma revolução no catolicismo. Não esperem que
a Igreja, através desse novo líder, passe a ver com bons olhos os
relacionamentos homoafetivos, que “liberem” o aborto para as cristãs católicas
apostólicas romanas, que incentive o uso da camisinha, como alguns entusiastas
mais ingênuos já estão pensando. Seria demais! Isso configuraria uma perda de
poder muito grande em termos históricos e religiosos. Seria aceitar que a
Instituição Igreja Católica estava equivocada em vários pontos, a fim de manter
seus dogmas conservados. Essa revolução muito provavelmente traria inúmeros
fiéis de volta para as igrejas, ou mesmo faria surgir novos fiéis católicos,
mas dificilmente ela será feita.
O Vaticano está preocupado com a repercussão dos casos de
pedofilia, com as brigas internas de poder, com suas próprias finanças, uma vez
que menos fiéis se traduz em menos dízimo e, portanto, em menos dinheiro. A
preocupação é com o desprestígio mundial que a instituição encara na
atualidade. O Vaticano não está preocupado com o amor entre os homossexuais e
nem com a saúde e “segurança” sexuais no mundo.
A Igreja continuará conservadora.
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