“Ai,
meu Deus, vou me atrasar!”. O seu cabelo, como acontecia na maior parte das
vezes, não estava lhe obedecendo. Olha para o espelho e pensa: “não, não está
bom”. Mais uma tentativa: pomada, pente, laquê. Ok. Estava “menos ruim” agora. Válter
estava muito ansioso. Depois já de alguns meses sozinho, finalmente tinha um
encontro. “Preciso malhar mais...”, fala, em voz alta, ao olhar para o espelho
novamente. Estava sozinho em casa e só lhe restavam mais dez minutos para
acabar de se arrumar. Escovou os dentes (duas vezes, por precaução), passou
mais perfume, deu uma última olhada no espelho. Desceu as escadas.
Eram
onze horas em ponto quando, da janela da cozinha, Válter viu um carro
estacionar em frente à sua casa. “Pontual”, pensou ele. Sacou rapidamente o seu
smartphone do bolso e mandou um SMS: “É você? Buzina!”. Ouviu, imediatamente,
duas curtas buzinadas. “Era ele”, constatou. Lucas havia chegado.
Estava
em um carro cinza, importado. Válter respirou fundo, abriu a porta do carro e
entrou. “E aí, seu chato, vamos dar uma volta então?”, disparou Lucas, sem
tirar os olhos do celular que se encontrava em suas mãos. Vestia uma camiseta
estilo polo da Hollister – a marca favorita dos gays, pelo menos naquela região
– e já foi arrancando com o carro. Válter, por precaução, havia preferido
combinar de darem uma volta pela cidade antes de voltarem para a sua casa,
assim poderia analisar se não se tratava de um desequilibrado, maníaco, etc.
Pelo menos foi isso o que justificou para Lucas. Sabia que era perigoso de
qualquer modo, mas não estava com medo. Só queria se certificar de que valia
mesmo a pena levar aquele rapaz para dentro de sua casa e, portanto, seria bom
um pouco de conversa a fim de chegar a essa certeza.
Ao
passarem pela avenida mais movimentada da cidade, o “point” noturno – não que
naquele dia houvesse muito movimento, afinal de contas, era uma terça-feira – Lucas
comentou estar com fome e resolveu parar em algum lugar para pedir um lanche. O
restaurante já estava quase fechando, assim, Lucas perguntou, ainda sem descer
de seu carro importado: “Ainda dá tempo de pedir um lanche?”. O funcionário do
local analisou rapidamente o veículo em que os dois rapazes estavam e
respondeu: “Claro, entrem!”.
Sentaram-se
em uma das várias mesas que estavam vazias e Lucas começou a olhar o cardápio.
O garçom, um senhor magro, grisalho, de aparência cansada e que, com certeza,
já estava contando os minutos para ir embora, chegou à mesa e ficou, com um
olhar levemente marcado pelo tédio, esperando os rapazes fazerem o pedido.
Válter tinha jantado e não estava com fome. Pediu um suco de laranja sem
açúcar. Seu acompanhante pediu o lanche que queria e, assim que o garçom levou o
cardápio, retirou seu smartphone da calça e começou a digitar. Ele estava sem
internet móvel pois havia esquecido de pagar a conta – assim tinha contado a
Válter naquela noite, quando ainda se encontrava em sua casa, antes de
combinarem o encontro –, mas o local em que estavam possuía wireless. Portanto,
lá estava Lucas a checar seu celular.
“Natural”,
imaginou Válter. “Ele deve estar olhando se não há algo de urgente...”. Mas
Lucas não largava o celular e também não puxava nenhum assunto. Discretamente,
Válter conseguiu ver o que o outro fazia em seu celular: WhatsApp, Facebook,
e... Hornet! “Hornet?”, espantou-se. É verdade que eles haviam se conhecido por
intermédio do aplicativo Tinder, mas qual era o propósito do rapaz em marcar um
encontro, pessoalmente, e não largar o celular? E, ainda por cima, ficar
checando o seu Hornet? “Era mais lógico eu ter ficado na minha casa, ele ter
ficado na casa dele, e nós conversarmos pelo celular, ué”, constatou,
cabisbaixo.
Para
ver se Lucas se tocava da situação, Válter também pegou seu celular e começou a
usá-lo. O outro nem percebeu, tão absorto que estava com suas próprias redes
sociais. “Você é viciado em celular, ein?”, disparou, então, em outra tentativa
de chamar a atenção. “Hehehe, nem sou”, Lucas respondeu, novamente sem o
encarar. E então, de repente, mirou os olhos de seu companheiro e disse: “Vou
ao banheiro, okay?”.
“Oh
Céus, que tipo de encontro é esse em que a outra pessoa não larga o celular?”,
questionou-se Válter.
Lucas
voltou do banheiro, com o celular na mão, ainda digitando. O garçom veio à
mesa, com o olhar agora já numa mescla entre tédio e raiva – além dos rapazes,
só havia outro casal, um homem e uma mulher, no estabelecimento – e trouxe o
lanche e o suco. Mas Lucas pareceu nem perceber a presença do lanche na mesa.
Será que a fome havia passado? “Você não vai comer?”, Válter, já um pouco
cansado da situação, perguntou. “Ah, vou, verdade”. Largou o celular e,
rapidamente, comeu o lanche todo.
Depois
de pagarem, Lucas ainda deu uma última olhadela em seu celular e, então, seguiram
para o carro. “Viu só, eu não sou nenhum louco”, brincou. Estavam, agora,
novamente em frente à casa de Válter. “Você quer entrar?”. “Bom, já que você
está me convidando...”.
Válter
usou a clássica desculpa de ver um filme, na verdade, um novo seriado gay.
Lucas aceitou. Enquanto viam a primeira cena do seriado, Válter, sem prestar a
menor atenção, pensava: “Finalmente, um encontro normal!”. Lucas, que estava
deitado em seu colo, levantou-se para ir ao banheiro. Assim que voltou, eles se
beijaram: “Aí sim”, animava-se Válter, afinal, já fazia um bom tempo que não
ficava com alguém. O beijo foi ficando mais intenso, as mãos começaram a
percorrer as costas. O clima esquentava. Mordidas no pescoço, primeiras
insinuações de tirarem as camisetas. E, então, no meio de todo aquele quente
amasso, Lucas pergunta:
-
Qual a senha do seu wi-fi?
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